CRIME E CASTIGO DENTRO DAS QUATRO LINHAS DA DEMOCRACIA

Rodrigo Portella, advogado, filiado ao Partidos dos Trabalhadores Diretório Zonal da Vila Mariana/São Paulo, militante do Núcleo Caravana do PT.

Quando Bolsonaro será preso? Qual o recurso cabível à sua defesa?

Se avizinha um dos mais importantes julgamentos da história da República brasileira, que tem como réus ex-membros da alta cúpula do poder executivo, incluindo um ex-presidente (objeto deste escrito) e das forças armadas, sob a acusação, dentre outros crimes, de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Este processo pode vir a ser um marco de solidez das instituições nacionais e, de tal sorte, refletir sobre os aspectos processuais de uma eventual condenação destes é assunto de primeira ordem, em face do infestável princípio da legalidade processual penal.

Parte-se, para análise deste caso concreto, de uma reflexão acerca do foro competente para a julgamento do feito. O processo se instalou no STF a partir de uma decisão do pleno finalizada em março 2025, que construiu o entendimento de que o foro por prerrogativa de função (“foro privilegiado”) passaria a ser vigente, inclusive, após o final do mandato, mantendo-se, portanto, o STF como corte de origem aos casos que envolvam um ex-presidente da República, levando-se em conta, também, que os crimes objeto de acusação foram cometidos durante a vigência do mandato, ainda que o inquérito seja posterior (HC 232.627/DF). Com essa decisão, o STF reviu sua posição anterior, que restringia o foro ao momento de exercício do cargo.

Para além, superada a competência privativa do STF para o julgamento do feito, uma outra questão regimental também se notabiliza: o julgamento deveria ser promovido pelo plenário ou pela 1ª Turma? Fato é que o Regimento Interno do STF, em seu art. 5°, pontua que é competência privativa do plenário do Supremo o julgamento de Presidentes da República. E, levando-se em conta o princípio da legalidade penal, não se torna possível promover uma interpretação extensiva do artigo, silente, aos ex-presidentes. Portanto, a partir da Emenda Regimental 59/2023, que consolidou que os processos penais seriam julgamentos, sempre, pela primeira turma do STF, enquanto medida saneadora e de agilidade, consolidou-se a competência da primeira turma para este processo.

Superadas estas preliminares, já amplamente debatidas e superadas, quanto a sua eventual ilegalidade, pela primeira turma do STF, uma outra pergunta relevante se consolida: quais são os recursos possíveis em face de uma condenação? Antes de mais nada, vigora-se, agora da forma correta, o art. 5°, LVII da CR/88, o qual afirma que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Neste sentido, o STF, ainda em 2019, reviu sua posição absolutamente inconstitucional e reiterou o entendimento da prisão após trânsito em julgado, a partir das ADCs 43, 44 e 54. Portanto, uma eventual prisão só se dará após o esgotamento dos recursos. Porém, quais seriam eles?

O primeiro e mais óbvio recurso é o embargo de declaração. Voltado para resolver eventuais omissões, contradições ou imprecisões em uma sentença penal condenatória, sem, porém, possuir força para reverter uma condenação, mas tão somente, elucidar os aspectos já decididos, este recurso, em uma eventual condenação, para a ter um caráter protelatório, ou seja, “ganhar tempo”. Nos termos do art. 382 do CPP, a defesa tem até 2 dias para protocolar o recurso. Deve-se levar em conta que o STF vem costurando uma jurisprudência defensiva, para inadmitir recursos com caráter protelatório. Portanto, há chances reais do recurso ser inadmitido.

 Porém, o que ganha força, neste cenário, são os embargos de infringência. Este tipo de recurso, próprio do processo penal, busca promover a rediscussão de uma condenação criminal a partir da existência de votos divergentes. Porém, aqui repousa uma das principais estratégias de defesa possíveis neste caso.

Primeiro, claro, há a necessidade de existirem votos divergentes. Porém, de cara, não há resposta consolidada: quantos votos divergentes são necessários para que o recurso seja admitido? Embora o Regimento Interno do Supremo indique, no Plenário, a necessidade de ao menos 4 votos, aos julgamentos nas turmas não há previsão regimental, mas, tão somente, um julgado, que indicou a necessidade de ao menos 2 votos divergentes.

Segundo, há uma segunda discussão possível, e ainda não devidamente consolidada pelo STF, sobre o conteúdo da divergência. Há julgados que apontam que a divergência necessária não diz respeito à dosimetria da pena (tempo de prisão), mas sim, se o voto é condenatório ou absolutório. Ou seja, uma divergência material. É, pois, um novo objeto de discussão acerca de um eventual voto divergente.

Cabe, também, um terceiro apontamento. Em havendo voto divergente e, ultrapassada a barreira da admissibilidade deste recurso, o julgamento caberia ao Plenário ou a Primeira Turma? Trata-se, também, de uma nova pergunta em aberto. Isto, pois, aos julgamentos de embargos divergentes no plenário, compete ao próprio plenário o julgamento. Em se tratando de julgamento criminal, com competência privativa da 1ª Turma, o julgamento dos embargos não caberia, também, a esta Turma? Trata-se, pois, de uma outra lacuna a ser debatida.

Portanto, em termos processuais, à defesa, resguarda-se a importância de se existir um voto divergente ao Relator. Será, pois, este o instrumento de debate jurídico mais profundo em face de uma potencial prisão no curto prazo. Há, em paralelo, a possibilidade, também, de um dos ministros pedirem vista no caso, que, conforme regimento interno do STF, deve ser continuado em até 90 dias, retomando-se o processo em dezembro.

Logo, aguarda-se com ansiedade o encerramento desta sentença histórica, que alinhará uma virada de página nas variadas tentativas golpistas ao longo da história brasileira. Do mais, esperamos sobriedade e firmeza na decisão do STF, que, a partir destes verdadeiros desafios processuais, deverá consolidar uma possível punição dentro das quatro linhas da constituição, diferente do que outrora houve neste país.os. 

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